domingo, 12 de abril de 2015

Psicólogo X Psiquiatra X Psicanalista


Creio que seria importante fazer algumas considerações sobre qual profissional está apto a ser psicoterapeuta, que seriam os psicólogos, psiquiatras e psicanalistas. Há uma controvérsia bem enjoada sobre a terminologia utilizada (entre terapeuta, analista, psicoterapeuta e vários outros termos), mas vamos entender aqui o que está na área de domínio de cada profissional:

 Psicólogo: é aquela pessoa graduada em Psicologia. O psicólogo pode atuar em diversas áreas, dentre elas a clínica, e seguir a linha teórica que mais se identifica. Ele não necessita de uma especialização para atuar na área, pois a formação é generalista e em tese o capacita para o desenvolvimento de atividades nas quatro grandes áreas clássicas (saúde/clínica, educação, organizacional e sócio-comunitária) embora seja preferível que o profissional se aprofunde em sua área.

Psiquiatra: é a pessoa formada em Medicina, que se especializou em psiquiatria. É o profissional que pode prescrever medicações e normalmente atua em conjunto com psicólogos para tratar transtornos mais graves, como esquizofrenia e formas mais graves de transtornos de humor ou ainda problemas muito agudos, que necessitam de um controle mais rápido. 

Psicanalista: é a pessoa que realizou o curso de formação em psicanálise, que pode ser de qualquer área (incluindo psicólogo e médico que possui ou não a especialização como psiquiatra). Este curso é oferecido pelas associações de psicanálise (existem várias, reconhecidas pelos Conselhos de Psicologia) e exige do candidato um processo de análise próprio bem completo. 

*Analista, na verdade, foi um termo popularizado como sinônimo de psicoterapeuta de orientação psicanalítica, o psicanalista, mas é bem comum que se use como sinônimo de psicoterapeuta.

Então, pode-se questionar: quem é o melhor? E a resposta é: independe da formação de base. O melhor terapeuta é o que pode atender às suas necessidades, que está preparado para aquilo e tem um excelente manejo clínico e trato interpessoal. Existem psicólogos que não têm a menor paciência para ouvir e têm a base de conhecimentos insuficiente, psiquiatras mal fazem ideia das causas dos transtornos psicológico, que se limitam a prescrever medicamentos (falarei sobre eles ainda) literalmente na base tentativa e erro e psicanalistas que não sabem conduzir um escuta qualificada, não gerando melhora nos sintomas de seus analisandos. Há bons e maus terapeutas, e os maus certamente contribuem para denegrir a imagem da profissão. Por isso, se você está em busca de atendimento e não se sentiu confortável com o profissional escolhido, por qualquer motivo que seja? Procure outro. Mas não desista, você vai encontrar o seu (sua) terapeuta ideal.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Cuidado - Como reconhecer um vigarista

Este post segue a linha que visa a informação geral do público leigo, e creio que é muito importante que quem busca atendimento psicológico tenha conhecimento. Portanto, fique atento se o seu terapeuta apresentar alguma dessas características:


  • Prometer cura: por melhor que seja um terapeuta e que ele queira passar confiança, um psicólogo não deve fazer promessas rígidas, do tipo 'eu curo você em um mês', pelo simples fato de que há pessoas que não respondem adequadamente - nem a terapia, nem a medicações, só para citar um dos vários motivos. Psicólogos munidos de boa postura se comprometem a buscar uma solução para seu problema, mas não podem afirmar categoricamente que são capazes de curar.

  • Recusar a mostrar a carteira do CRP: infelizmente, há pessoas no mercado de trabalho alegando ser psicólogos, sem de fato sê-lo. Pode ser que o profissional tenha optado por não ter o diploma emoldurado na parede do consultório, mas todo o paciente pode solicitar a Carteira do Conselho Regional de Psicologia, que comprova que a pessoa possui formação acadêmica para atuar e responde a um Conselho. É obrigação ética do psicólogo apresentar esta carteira quando solicitado, e uma forma de garantir que o terapeuta tem os requisitos mínimos para a atuação profissional. Se o suposto profissional recusar, você pode telefonar ao Conselho Regional de Psicologia do seu estado e questionar se ele possui o registro, tendo o nome completo da pessoa em mãos. Se não tiver, denuncie como prática ilegal da psicologia.  (Atenção: psicanalistas que não são formados em psicologia não possuem este registo. Lembre que o psicanalista não precisa ter esta formação para atuar na linha da psicanálise).

  • Misturas estranhas: a profissão do psicólogo é regulamentada por um conselho, que autoriza determinadas práticas por parte de psicólogos, como hipnose e acupuntura, com a devida formação para atuar nesta áreas. No entanto, práticas esotéricas e/ou de filosofias alheias às ciências psicológicas, como tarot, mapas lunares, bolas de cristal, leitura de mãos, benzimentos, simpatias, astrologia, etc, estão fora deste espectro. Não questiono a efetividade de nenhuma destas técnicas, porém a pessoa que se propõe a ser um psicólogo deve ater-se às práticas regulamentadas. E lembre-se: psicólogo não pode prescrever medicamentos.

  • "Eclético": isso pode gerar um pouco de discordância, principalmente entre os que assim se declaram, mas que é no mínimo digno de atenção um terapeuta que não possui uma orientação teórica específica como base, e responde a este questionamento com a escorregadia palavra 'eclético'. Pois bem, espera-se que o terapeuta tenha uma fundamentação teórica sólida antes de assumir a responsabilidade do atendimento. No entanto, duas ressalvas: é bastante comum que sejam utilizadas técnicas "emprestadas" de outras linhas, mas ela deve seguir embasada e de forma compatível com a linha teórica do profissional e, atualmente, fala-se em psicologia integrativa, que se propõe a integrar como sistemas dinâmicos diversas linhas. Não sou a melhor pessoa para falar sobre esta abordagem, mas se o profissional está bem embasado, ele prestará com prazer explicações sobre seu trabalho.

  • "Curar homossexualidade": acho que dispensa maiores comentários. Se um psicólogo faz essa proposta, fuja. Propaganda antiética, preconceituosa e inviável. 

  • Contato sexual: é ponto pacífico que um terapeuta não deve ter nenhum tipo de contato de natureza sexual com pacientes, não importa sob qual pretexto ou mesmo desejo expresso por parte do paciente. Falar sobre sexualidade em terapia é normal, mas isso não deve gerar respostas eróticas por parte do terapeuta. Além disso, pessoas em atendimento psicológico podem confundir sentimentos e crer que estão apaixonadas pelo terapeuta, e cabe a este esclarecer esse fenômeno. Se não for possível manejar a situação, ele deve encaminha o paciente para outro terapeuta, e JAMAIS tentar tirar proveito da situação. Agora, nos raros casos em que o interesse é verdadeiro e mútuo - não se pode negar que, apesar de raro, pode acontecer - a postura correta do psicólogo é encerrar o vínculo profissional para viabilizar o vínculo afetivo.

Essas são algumas das formas de se reconhecer um potencial vigarista. Com certeza há outras, mas por hoje ficamos por aqui. Espero que a leitura tenha sido proveitosa.  =)

domingo, 5 de abril de 2015

Cirurgia Bariátrica - Por que ter um laudo psicológico?


A cirurgia bariátrica (também chamada de gastroplastia ou ainda, redução de estômago) hoje em dia não é nenhuma novidade, e a maioria da população tem ao menos um conhecido que se submeteu a ela. Não vou enfocar aqui os critérios para esta cirurgia, nem os tipos de cirurgia existentes, mas sim os motivos pelos quais o candidato a uma intervenção como essa deve se submeter a uma avaliação psicológica, além de todos os - muitos - exames e testes que são solicitados.

Para título de informação geral, os critérios médicos (salvo exceções avaliadas caso a caso) são:

  • IMC superior a 40, ou a 35 caso haja comorbidades associadas (ou seja, doenças provocadas ou agravadas pelo excesso de peso, como diabetes, hipertensão e problemas articulares graves, entre outras); 
  • Histórico de pelo menos cinco anos de obesidade e múltiplas tentativas sem sucesso de se perder peso pelos meios convencionais, ou ainda,   perda de peso seguida de recuperação do peso perdido, inclusive engordando mais. 
Para uma cirurgia e recuperação bem sucedidas, é importante que, além do médico (muitas vezes há a participação de um endocrinologista no processo, além do cirurgião gástrico e outros que possam ser necessários ao caso), um fisioterapeuta, um nutricionista e um psicólogo componham a equipe. Sim, você leu certo, fisioterapeuta. O motivo é simples, mas muitas vezes negligenciado: uma das principais causas de óbito nesta cirurgia é por incapacidade cardiorrespiratória do paciente, avaliação realizada pelo fisioterapeuta. O nutricionista fará a prescrição dietária para antes e depois da cirurgia, assim como o acompanhamento da dieta, e o psicólogo apontará se o paciente possui condições emocionais para arcar com o processo e tudo o que ele acarreta.

Primeiramente, sei que pode parecer que a avaliação é cara e desnecessária, até porque a maioria das pessoas acredita que pode manejar qualquer coisa... até que algo que saia de seu controle aconteça. E essas coisas acontecem, e muito. É complicado de se pontuar quais são as indicações e as contraindicações psicológicas, pois cada caso deve ser avaliado por toda a equipe, que apontara se os benefícios compensarem os potenciais riscos. No entanto, a consequência 'menos grave' de não estar emocionalmente apto a cirurgia é recuperar o peso perdido na primeira etapa (afinal, é muito fácil e rápido emagrecer com a dieta líquida e pastosa). É uma questão de bom senso deixar de 'achismos' e buscar uma confirmação sobre seu estado emocional antes da cirurgia, pois ela ocasionará mudanças intensas na vida tanto do operado quanto de seus próximos.

Seria isso um exagero? Pense no seguinte exemplo: Um casal. A mulher sofre de obesidade mórbida, o homem é um tanto inseguro, porém essa característica nunca foi muito perceptível (afinal, uma mulher muito obesa dificilmente seria "cobiçada", poderia ser a consideração desse homem fictício). A mulher se submete à cirurgia, emagrece 50 kg, resgata sua autoestima e passa a se cuidar e se arrumar muito mais (pois agora as roupas lhe servem, e ela não tem mais receio de que que reparem nela, e ela não é mais alvo de gozações e piadas maldosas). Então, o homem passa a ter crises de ciúme, isso quando não chega a agredir fisicamente sua esposa. Resultado: o casal se separa, pois nenhum dos dois cogitou sobre como seriam as relações sociais deles após uma intervenção aparentemente de sucesso para redução de peso. Não houve problemas médicos, ela se adaptou à dieta, tudo funcionou, ela emagreceu. Mas nem ele e nem ela estavam preparados para este outro fator, o qual poderia ter sido trabalhado, evitando essa ruptura. Esse é um dos milhares de exemplos que podem ser dados, e um dos incontáveis problemas que podem decorrer indiretamente da gastroplastia. Todos os aspectos devem ser considerados, não apenas o sucesso clínico da redução de peso. E são estes os aspectos que vêm à tona em uma boa avaliação psicológica.

No entanto, atualmente vivenciamos dois problemas: não há um protocolo padrão para os cirurgiões gástricos seguirem e/ou exigirem, então acaba ficando a critério do médico aceitar ou se recusar a operar um paciente que não se submeteu à avaliação psicológica; e não há um protocolo padrão de avaliação psicológica pré-cirúrgica, e cada profissional desenvolve seu próprio método, assim como qualquer psicólogo pode fazê-lo, independente de estar qualificado ou não. Outro problema está em encontrar profissionais qualificados. E assim se forma uma cadeia de complicações, que acabam culminando na não realização da avaliação psicológica e a sujeição a riscos desnecessários.

Há aqueles casos em que a ideia de se buscar um psicólogo é aceita. Mas aí surgem dúvidas, tais com quanto tempo a avaliação leva e como ela é realizada. Primeiramente, o candidato deve estar ciente que a avaliação é sim um pouco demorada. Não conheci até hoje um profissional que se propusesse a emitir um laudo após uma única consulta, e honestamente desconfiaria de um que o fizesse. Normalmente são necessárias de quatro a dez sessões para se fundamentar o laudo, e dependendo do candidato, é necessário um período de psicoterapia anterior à cirurgia, e é possível que o profissional não recomende a intervenção cirúrgica. Alguns dos fatores que levam à contraindicação, que pode ser temporária, são:

  • Transtornos alimentares ligados à compulsão: pessoas que comem compulsivamente correm um grande risco de não conseguir seguir as dietas líquidas e pastosas do pós-operatório, o que pode inclusive levar um paciente à óbito. Tal transtorno deve estar muito bem controlado para que a pessoa possa passar por esta fase em segurança.
  • Ausência de outros fatores de gerem prazer: pessoas que tem poucos ou nenhum prazer na vida além da comida são fortes candidatos a recuperar o peso, sofrer de depressão, tentativas de suicídio e/ou adotares condutas disfuncionais substitutivas (tais como jogo patológico, compulsão por sexo, uso abusivo de álcool ou outras drogas, para citar algumas). É fato que comer é um prazer, e a pessoa que realiza gastroplastia reduz significantemente a quantidade e a qualidade dos alimentos ingeridos, às vezes de forma definitiva. É frequente que os pacientes sintam que alguns tipos de alimento 'não descem' como antes, causam vômitos e mal estar, logo, passam a ser evitados. Se não houver outras fontes significativas e funcionais de prazer na vida do indivíduo, a cirurgia deve ser adiada para após um período de terapia. Caso seja constatado que o paciente tem condições de resgatar atividades prazerosas após a perda de peso (ou ainda, se o paciente necessitar emagrecer urgentemente por questões médicas), é imprescindível que haja o acompanhamento do paciente após a cirurgia.
  • Concepções equivocadas sobre os efeitos da cirurgia: algumas pessoas creem que após seis meses terão um corpo perfeito e terão todos os problemas resolvidos, entre outras crenças fantasiosas. É preciso que o candidato à esta intervenção esteja ciente de que na grande maioria dos casos haverá flacidez, sobras de pele e redução drástica do tamanho dos seios nas mulheres, para citar alguns exemplos sobre como o tão sonhado 'corpo perfeito' dificilmente será alcançado apenas com a cirurgia; não há garantia alguma de que a pessoa conseguirá uma melhor colocação no mercado de trabalho ou encontrá um parceiro afetivo. Cada um desses aspectos depende de diversos fatores, e, deixando a hipocrisia de lado, sabemos que a aparência é um deles. Mas nenhum ganho será mantido sem os outros fatores que os sustentam, e isso abrange muito mais do que um corpo.
Neste texto o tema foi abordado de maneira ampla e superficial, com o objetivo de trazer a reflexão sobre a importância da atuação da equipe multidisciplinar no tratamento cirúrgico da obesidade. Obviamente muita coisa ficou de fora, mas terei muito prazer em aprofundar qualquer aspecto pertinente que for solicitado. Vale a pensa pensar a respeito.


***Este artigo é disparadíssimo o mais acessado do blog, desde a postagem dele, três anos atrás. Então, foi o primeiro a ser reeditado. Aguardem, que em breve serão publicados mais posts sobre este tema***