domingo, 5 de abril de 2015

Cirurgia Bariátrica - Por que ter um laudo psicológico?


A cirurgia bariátrica (também chamada de gastroplastia ou ainda, redução de estômago) hoje em dia não é nenhuma novidade, e a maioria da população tem ao menos um conhecido que se submeteu a ela. Não vou enfocar aqui os critérios para esta cirurgia, nem os tipos de cirurgia existentes, mas sim os motivos pelos quais o candidato a uma intervenção como essa deve se submeter a uma avaliação psicológica, além de todos os - muitos - exames e testes que são solicitados.

Para título de informação geral, os critérios médicos (salvo exceções avaliadas caso a caso) são:

  • IMC superior a 40, ou a 35 caso haja comorbidades associadas (ou seja, doenças provocadas ou agravadas pelo excesso de peso, como diabetes, hipertensão e problemas articulares graves, entre outras); 
  • Histórico de pelo menos cinco anos de obesidade e múltiplas tentativas sem sucesso de se perder peso pelos meios convencionais, ou ainda,   perda de peso seguida de recuperação do peso perdido, inclusive engordando mais. 
Para uma cirurgia e recuperação bem sucedidas, é importante que, além do médico (muitas vezes há a participação de um endocrinologista no processo, além do cirurgião gástrico e outros que possam ser necessários ao caso), um fisioterapeuta, um nutricionista e um psicólogo componham a equipe. Sim, você leu certo, fisioterapeuta. O motivo é simples, mas muitas vezes negligenciado: uma das principais causas de óbito nesta cirurgia é por incapacidade cardiorrespiratória do paciente, avaliação realizada pelo fisioterapeuta. O nutricionista fará a prescrição dietária para antes e depois da cirurgia, assim como o acompanhamento da dieta, e o psicólogo apontará se o paciente possui condições emocionais para arcar com o processo e tudo o que ele acarreta.

Primeiramente, sei que pode parecer que a avaliação é cara e desnecessária, até porque a maioria das pessoas acredita que pode manejar qualquer coisa... até que algo que saia de seu controle aconteça. E essas coisas acontecem, e muito. É complicado de se pontuar quais são as indicações e as contraindicações psicológicas, pois cada caso deve ser avaliado por toda a equipe, que apontara se os benefícios compensarem os potenciais riscos. No entanto, a consequência 'menos grave' de não estar emocionalmente apto a cirurgia é recuperar o peso perdido na primeira etapa (afinal, é muito fácil e rápido emagrecer com a dieta líquida e pastosa). É uma questão de bom senso deixar de 'achismos' e buscar uma confirmação sobre seu estado emocional antes da cirurgia, pois ela ocasionará mudanças intensas na vida tanto do operado quanto de seus próximos.

Seria isso um exagero? Pense no seguinte exemplo: Um casal. A mulher sofre de obesidade mórbida, o homem é um tanto inseguro, porém essa característica nunca foi muito perceptível (afinal, uma mulher muito obesa dificilmente seria "cobiçada", poderia ser a consideração desse homem fictício). A mulher se submete à cirurgia, emagrece 50 kg, resgata sua autoestima e passa a se cuidar e se arrumar muito mais (pois agora as roupas lhe servem, e ela não tem mais receio de que que reparem nela, e ela não é mais alvo de gozações e piadas maldosas). Então, o homem passa a ter crises de ciúme, isso quando não chega a agredir fisicamente sua esposa. Resultado: o casal se separa, pois nenhum dos dois cogitou sobre como seriam as relações sociais deles após uma intervenção aparentemente de sucesso para redução de peso. Não houve problemas médicos, ela se adaptou à dieta, tudo funcionou, ela emagreceu. Mas nem ele e nem ela estavam preparados para este outro fator, o qual poderia ter sido trabalhado, evitando essa ruptura. Esse é um dos milhares de exemplos que podem ser dados, e um dos incontáveis problemas que podem decorrer indiretamente da gastroplastia. Todos os aspectos devem ser considerados, não apenas o sucesso clínico da redução de peso. E são estes os aspectos que vêm à tona em uma boa avaliação psicológica.

No entanto, atualmente vivenciamos dois problemas: não há um protocolo padrão para os cirurgiões gástricos seguirem e/ou exigirem, então acaba ficando a critério do médico aceitar ou se recusar a operar um paciente que não se submeteu à avaliação psicológica; e não há um protocolo padrão de avaliação psicológica pré-cirúrgica, e cada profissional desenvolve seu próprio método, assim como qualquer psicólogo pode fazê-lo, independente de estar qualificado ou não. Outro problema está em encontrar profissionais qualificados. E assim se forma uma cadeia de complicações, que acabam culminando na não realização da avaliação psicológica e a sujeição a riscos desnecessários.

Há aqueles casos em que a ideia de se buscar um psicólogo é aceita. Mas aí surgem dúvidas, tais com quanto tempo a avaliação leva e como ela é realizada. Primeiramente, o candidato deve estar ciente que a avaliação é sim um pouco demorada. Não conheci até hoje um profissional que se propusesse a emitir um laudo após uma única consulta, e honestamente desconfiaria de um que o fizesse. Normalmente são necessárias de quatro a dez sessões para se fundamentar o laudo, e dependendo do candidato, é necessário um período de psicoterapia anterior à cirurgia, e é possível que o profissional não recomende a intervenção cirúrgica. Alguns dos fatores que levam à contraindicação, que pode ser temporária, são:

  • Transtornos alimentares ligados à compulsão: pessoas que comem compulsivamente correm um grande risco de não conseguir seguir as dietas líquidas e pastosas do pós-operatório, o que pode inclusive levar um paciente à óbito. Tal transtorno deve estar muito bem controlado para que a pessoa possa passar por esta fase em segurança.
  • Ausência de outros fatores de gerem prazer: pessoas que tem poucos ou nenhum prazer na vida além da comida são fortes candidatos a recuperar o peso, sofrer de depressão, tentativas de suicídio e/ou adotares condutas disfuncionais substitutivas (tais como jogo patológico, compulsão por sexo, uso abusivo de álcool ou outras drogas, para citar algumas). É fato que comer é um prazer, e a pessoa que realiza gastroplastia reduz significantemente a quantidade e a qualidade dos alimentos ingeridos, às vezes de forma definitiva. É frequente que os pacientes sintam que alguns tipos de alimento 'não descem' como antes, causam vômitos e mal estar, logo, passam a ser evitados. Se não houver outras fontes significativas e funcionais de prazer na vida do indivíduo, a cirurgia deve ser adiada para após um período de terapia. Caso seja constatado que o paciente tem condições de resgatar atividades prazerosas após a perda de peso (ou ainda, se o paciente necessitar emagrecer urgentemente por questões médicas), é imprescindível que haja o acompanhamento do paciente após a cirurgia.
  • Concepções equivocadas sobre os efeitos da cirurgia: algumas pessoas creem que após seis meses terão um corpo perfeito e terão todos os problemas resolvidos, entre outras crenças fantasiosas. É preciso que o candidato à esta intervenção esteja ciente de que na grande maioria dos casos haverá flacidez, sobras de pele e redução drástica do tamanho dos seios nas mulheres, para citar alguns exemplos sobre como o tão sonhado 'corpo perfeito' dificilmente será alcançado apenas com a cirurgia; não há garantia alguma de que a pessoa conseguirá uma melhor colocação no mercado de trabalho ou encontrá um parceiro afetivo. Cada um desses aspectos depende de diversos fatores, e, deixando a hipocrisia de lado, sabemos que a aparência é um deles. Mas nenhum ganho será mantido sem os outros fatores que os sustentam, e isso abrange muito mais do que um corpo.
Neste texto o tema foi abordado de maneira ampla e superficial, com o objetivo de trazer a reflexão sobre a importância da atuação da equipe multidisciplinar no tratamento cirúrgico da obesidade. Obviamente muita coisa ficou de fora, mas terei muito prazer em aprofundar qualquer aspecto pertinente que for solicitado. Vale a pensa pensar a respeito.


***Este artigo é disparadíssimo o mais acessado do blog, desde a postagem dele, três anos atrás. Então, foi o primeiro a ser reeditado. Aguardem, que em breve serão publicados mais posts sobre este tema***


6 comentários:

  1. Muito interessante.

    Tenho uma ex-colega que fez a cirurgia de redução de estômago, mas não sei dizer se ela passou pelo processo. Aliás, depois de ler o texto, me pareceu muito óbvio e pertinente o acompanhamento psicológico do paciente que se submete a uma operação dessas. De fato é uma mudança um tanto brusca para a pessoa, e estar preparado para lidar com as todas nuances do processo é fundamental.

    Meus parabéns pelo texto. Mais uma vez, esclarecedor. Fico feliz que tenha voltado a escrever.

    Um abraço.

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  2. Olá Mariana, como esta? Li seu texto. Gostaria de saber se você tem um modelo de laudo que pudesse dividir. sampa.malta@ig.com.br

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  3. Muito interessante seu texto, acredito que os pontos que você levantou são bem pertinentes e em qualquer discussão não podemos esgotar as possibilidades, mas sim dar um pontapé no assunto.

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  4. Também achei muito interessante. Poderias me enviar um modelo de laudo para ampliação e atualização? Obg.
    rita09azul@hotmail.com

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    1. Olá Rita! Muito obrigada pela visita e interesse. Eu estou programando um material com o tema, a assim que estiver disponível, eu entrarei em contato.

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  5. Olá Mariana, amei o texto! A gastroplastia é apenas o inicio de uma longa caminhada, após a cirurgia o acompanhamento com a equipe multidisciplinar , como foi citada no texto, é extremamente importante para o sucesso da cirurgia.

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