segunda-feira, 8 de junho de 2015

Linhas Teóricas- Psicanálise

Seguindo a proposta do post anterior, hoje vou falar sobre a psicanálise. Já havia mencionado as particularidades do psicanalista aqui, e agora vou dar uma pincelada básica em como funciona. Novamente digo, este é um texto de abordagem superficial, para conhecimento do público. Creio que o primeiro fato a ser conhecido sobre a psicanálise é que quase tudo que o senso comum conhece sobre o tema ou está errado, ou incompleto, fora de contexto e/ou mal interpretado. Há uma grande tendência em se literalizar o que foi descrito no campo simbólico, portanto, não é o sonho secreto de todo o homem literalmente assassinar o pai e viver maritalmente com a mãe, e 'gozo' não é um orgasmo. Mas vamos adiante.

A psicanálise foi proposta pelo conhecidíssimo S. Freud (1856-1939), médico, que se propôs a estudar o fenômeno da histeria. O senso comum chamaria 'histérica' a uma mulher escandalosa, certo? Mas a verdade é justamente a inversa. A histeria é um fenômeno que manifesta no corpo algo que não pôde ser dito. Naquela época, devido à grande repressão social que as mulheres sofriam, as conversões histéricas não eram raras, e apareciam como paralisia, cegueira e outros comprometimentos que não podiam ser clinicamente viáveis, pois mostravam-se saudáveis (e a medicina da época tomava como fingimento). Freud passou a observar essas pacientes e, a partir destas observações clínicas, experimentos com hipnose, (muitas) reflexões e estudo, desenvolveu uma teoria de desenvolvimento da personalidade que também é um método clínico e uma corrente teórica que influenciou diversos pensadores. Depois de Freud, outro grande teórico da linha foi J. Lacan (1901-1981),  que aprofundou ainda mais a psicanálise e é extremamente respeitado. Há outros nomes, como Jung e Reich, mas falarei deles em outro post, pois a teoria acabou sendo ficando bem diferente da original, para desgosto de Freud, que fora professor de ambos.

A base da psicanálise é a investigação da mente e seu funcionamento, baseado nos conceitos descritos por Freud. Em termos bem simples, cada um de nós possui três níveis de funcionamento psíquico - id (impulsos mais primitivos), ego (base não completamente consciente da personalidade) e superego (instituição da lei e da cultura), sendo que a forma em que cada criança passa pelos estágios de desenvolvimento (aqui entram os complexos, de Édipo, castração, e outros estágios que também dão margem a erros de entendimento), culmina em uma estrutura de personalidade diferente  - neurótica, psicótica ou perversa (cuidado com o subentendimento de senso comum), cada qual com seus mecanismos de defesa e particularidades.

Para situar o leitor um pouco sobre quem é o quê, pode-se dizer que boa parte da população tem a estrutura neurótica (significa que passou pelos estágios de maneira próxima ao 'esperado', por assim dizer); os psicóticos são aqueles que não estabelecem contato com a realidade; É o que o senso comum chama por vezes de loucura, mas o termo não é correto. E o perverso é aquela pessoa que não trava contato com a imposição da lei (aqui há uma longa explicação sobre a figura do pai e a imposição da lei à criança). Então, a pessoa de estrutura perversa tem ciência se faz algo errado, mas simplesmente não se importa. Seria o psicopata (o verdadeiro, pois há também pessoas que são denominadas como psicopatas, mas que não o são dentro desta perspectiva). Este é um tipo que inquieta a sociedade, e muitas vezes também é designado como 'louco'.

A ideia geral é que o que nos causa sofrimento, conhecido nesta linha como sintoma, tem suas raízes no nível inconsciente do psiquismo. São dois os níveis, consciente e inconsciente (não se usa subconsciente, segundo as orientações que recebi), e  o inconsciente pode ser acessado por meio da fala, a chamada associação livre, que gera um insight. Trazendo este ponto de conflito para o nível consciente, o sintoma poderia ser amenizado. Ou seja, se a pessoa fala sobre sua dor, ela pode descobrir a peça que faltava para encadear sua significação sobre ela e assim, livrar-se do mal estar. Não se fala em 'cura' na psicanálise. Uma pessoa não pode mudar sua estrutura de personalidade, mas pode trabalhar seus sintomas e aliviar seu sofrimento.

Dentro desse método de trabalho clínico entram os sonhos, que seriam símbolos do inconsciente e os atos-falhos (aquelas coisas que falamos sem querer), entre outros. Na psicanálise há o trabalho no divã, mas ele não é feito logo de cara, mas sim quando o paciente estiver preparado para dar vazão à fala, com o mínimo de intervenção possível do analista. 

Há um vasto rol de críticas contra a psicanálise, críticas feitas inclusive por Sophie Freud, neta de Freud, filha de Anna Freud, que era psicanalista e filha favorita. No entanto, a psicanálise segue seu curso, com profissionais se formando e pessoas optando por esse modelo de terapia. Fala-se sobre a teoria ser machista, elitista e demorada. Mas há que se considerar o contexto histórico do desenvolvimento da psicanálise, em meio à burguesia européia do início do século XX, a admitir a aplicabilidade até os dias atuais. Elitista, até daria para dizer que sim, como quase toda psicoterapia particular: envolve custos que boa parte da população brasileira não pode arcar e demanda um nível razoável de insight para ser efetiva. Pode parecer rude, mas esse modelo de terapia precisa um bom grau de raciocínio para acontecer. E sobre ser demorada, o processo costuma ser mais longo mesmo, porém não é regra. Há outras críticas que eu vejo como tolas, como acusar Freud de ter sido cocainômano ou de ser um pervertido sexual. Oras, lembremo-nos da época: cocaína era medicamento, não se conhecia os efeitos colaterais, portanto, não pode ser significada como o é hoje em dia. Inclusive, Freud utilizou cocaína para criar o primeiro anestésico oftalmológico existente. E sobre ser um pervertido sexual, acredito que na época suas declarações tenham gerado um grande choque. Porém, manter o choque até hoje é moralismo. 

Em linhas gerais: Psicanálise é um processo de investigação da psiquê, normalmente demanda tempo. Em geral, o paciente fala mais do que o analista, que comumente se limita a fazer perguntas que induzam o caminho da reflexão, e o divã é utilizado quando o paciente está pronto para tal. Há quem diga que é indicada para questões inespecíficas, como a angústia sobre a qual não se conhece a causa, mas qualquer linha teórica pode tratar qualquer problema, o que pesa mais é o quanto o paciente se identifica com o método.

Espero que tenha sido esclarecedor. Até a próxima!

Um comentário:

  1. De todos os assuntos já citados no blog o que eu conhecia melhor (e mesmo assim conhecia pouco diante de toda a gama de informações apresentada aqui) era a psicanálise. Aliás, posso estar enganado, mas acho que o público leigo em geral confunde muito psicanálise com a psicologia em si, como se fossem sinônimos. Eu mesmo só fui assimilar que a primeira era apenas uma linha teórica quando me aprofundei um pouco na história de Freud pra um texto que eu precisei escrever.

    Mas enfim: esclarecedor, como sempre.

    Um abraço.

    Zé Luiz

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